Fala, povo!! Tudo buenas?
Eu, Morrigan “Kami” Ankh em colaboração com o “Vale das Trevas: da ponte pra cá”, continuo com a história do Anjo Caído/Demônio TURAL, a Lança das Horas.
Não entendeu? Bem, nós já estamos na quarta parte de uma proposta, que é contar sobre o cenário de “Demônio, a Queda”, sob a forma de conto. Em cada trecho da história, apresentarei um pouco dos detalhes do cenário, explicando como eles funcionam. Já foram introduzidos alguns conceitos do cenário: Nome Verdadeiro, Nome Celestial, Abismo e Corpo Hospedeiro, Casa, Adão e Eva, Lúcifer, Gehinnon (a primeira cidade), Ressonância, Legado, Surgimento da Humanidade, Duas Ordens do Criador, Ahrimal, Grande Debate, Semblantes, Consciência, Eminência, Os nomes de alguns Anjos Rebeldes importantes na história do cenário, Miguel. Confere os capítulos anteriores desta história! (Capítulos: 01, 02 e 03)
Bora lá?! :)
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VINGANÇA [Justiça]
Esperou na fila da delegacia, reorganizando as ideias da noite anterior. Para uma mente pequena, a mente de Débora era realmente ocupada, na opinião de Tural, cheia de setores e intensidades emocionais diferentes, segredos de vários níveis, memórias agridoces. Parando para refletir sobre isso, a própria mente de Tural era repleta de pensamentos e sentimentos que ele podia, por vez ou outra, considerar parecidos com os de Débora. Quando chegou sua vez para informar o assalto, a expressão na face da atendente foi de tédio.
“Sou só mais uma vítima aos olhos dela. Mais um primatinha com um probleminha idiota, em meio a tantos outros primatinhas com problemas idiotas.” Tural pensou. Ele analisou o entra e sai da delegacia, viu como as pessoas saiam com poucas esperanças do atendimento, por vezes, resmungando alguma coisa. Se algo ficou clara para ele, é que o sistema humano de ordem, leis e justiça não deixava seus cidadãos satisfeitos. Revirando as memórias de Débora, então, as coisas ficavam piores com as informações de noticiários, relatos de conhecidos, histórias de “um amigo que contou para um amigo”, internet e demais canais e fontes de conhecimento e comunicação. Um gosto amargo cresceu em sua boca e a necessidade de fazer algo cresceu em seu íntimo.
Preencheu o boletim de ocorrência. Pela quantidade de informações solicitadas, quase achou que ele era o culpado; em outra parte do preenchimento, já estava lamentando ter ido até lá. Saiu com um papel na mão, resmungando, insatisfeito, mas, também, com um plano de ação a ser executado desde já.
O plano tinha um conceito simples: aumentar sua influência e poder. A execução, por sua vez, era um pouco mais delicada. Sem pessoas na rua devido à quarentena, era difícil ter influência sólida na realidade. Mas, bem, nem todas ficavam em casa. Ele sabia de pelo menos duas pessoas que, certamente, estariam pelas ruas. Duas pessoas que estavam em dívida pessoal com ele.
Era cedo ainda, nem perto do meio-dia, e Tural tinha quase certeza de que seus alvos primários deveriam estar escondidos. Colocaria em andamento os demais protocolos humanos que adquirira com Débora e iria planejando suas atividades noturnas. Passou no mercado, comprou umas porcarias para encher as bocas dos parasitas e foi para casa.
A tarde não chegou aos pés do Abismo, mas foi uma tortura semelhante. A irmã Denise, falou sobre o absurdo que esse isolamento estava gerando na família que nunca mais pôde comer um xis na rua, ou ver umas roupinhas no shopping. O marido, Matias, ficou aplastado, torto, no sofá como uma massa de construção descarregada no local errado. Tural não entendia o que um homem como aquele poderia ter para estar tão cansado assim, não estava indo trabalhar, não era o tipo de homem que ajudava nas tarefas domésticas, estava com sobrepeso para sua altura. As crianças, por sua vez, ficaram quase angelicamente sentadas no chão, cada uma com um celular na mão, jogando com o som alto o suficiente para rivalizar com a conversa encabeçada por Dona Adelaide. A velha mãe não perdia a chance de perguntar tudo o que podia para participar da vida de filha que saiu de casa.
“Deve ser carência de mãe.” Tural conjecturou. “Lembro da dúvida sobre o destino de Adão, Eva e Caim, quando as coisas ficaram mais complicadas em Gehinnon. Nós queríamos notícias do Pai e da Mãe de Todos, nossos filhos amados… Assim como esta mãe tenta se aproximar da filha… parasita.”
Quando foram embora, Tural deu um sorriso automático. Sabia que era o mesmo sorriso que Débora exibia quando o espetáculo caseiro terminava. Havia louça para lavar, restos de comida para ir em potes para a geladeira, e restos que iriam para o lixo, junto com garrafas pet de refrigerantes. Eram movimentos automáticos de um corpo acostumado a fazer aquela sequência, gestos simples, mundanos, que evocavam os mesmos gestos simples e mundanos de outros tempos. Em algum lugar da mente, Tural lembrava de ensinar sobre limpar locais para melhor cuidar da saúde, sobre como a água tinha um papel importante no corpo, sobre como os instrumentos de trabalho devem ser respeitados, higienizados e bem guardados. Que a mesma faca que abrem um animal para a nutrição do corpo, pode ser a mesma faca que fere o corpo de forma letal.
Sua mãe estava contente. Ela esteve com toda a família reunida sob o mesmo teto, todos estavam saudáveis. Eles vieram até ela e houve renovação na fé dessa mulher, de que o amor era recíproco. Em Tural, ou parte dele, havia um misto de amor e dor, que o levou a se contentar com essa fatia de afeto, mas já estava anoitecendo, ele tinha planos e precisava dar um jeito de sair de casa.
- Mãezinha, tá ficando um pouco frio, eu vou fazer um chá leite, especiarias e mel pra gente, tá? - disse enquanto ia para a cozinha.
“Mãezinha?! Ela não é a minha mãe! É um inseto! É só um meio para um fim…” pensou enquanto jogava o anis-estrelado, a canela, o cardamomo e outras especiarias no leite que iria aquecer. Quando ficou pronto, colocou a mistura quente em duas canecas, adicionou uma colher generosa de mel em cada uma e colocou um comprido para dormir triturado na caneca da mãe.
Foram necessários trinta minutos para que os olhos da velha senhora começassem a cerrar lentamente. Ele esperou mais uns dez minutos até a respiração dela estar mais pesada e a deixou coberta com uma manta alaranjada. Colocou um casaco com capuz, arrumou tênis adequados para o que considerava ser uma longa caçada, ou melhor, um longo “bate pernas”.
Débora não era uma desportista nata, ficava claro ao ver as dobrinhas do corpo, era óbvio pelo fôlego curto. Deveria estar uns oito quilos acima do ideal de beleza da espécie. Usar o pretexto de caminhadas para perder peso ajudaria Tural a fazer uma procura numa área maior do bairro e resolveria essa inconveniência.
Saiu e começou a caminhar sem contar o tempo. Puxou o capuz sobre a cabeça e esperou não encontrar enxeridos pelo caminho. Gostaria de ser objetivo, encontrar logo aqueles dois pedaços de desperdício de esforço divino e exercitar suas habilidades com mortais.
Quando Miguel perdera para Lúcifer, e muitos humanos escolheram os Anjos rebeldes, parecia que tudo seria perfeito. Com o tempo, alguns acreditavam, o Criador conseguiria ver que as intenções deles eram boas e que mereceriam perdão. Entretanto, as palavras de Miguel antes de partir, foram decisivas para o destino de todos. Com uma expressão cruel, ele proferiu as mudanças para cada grupo das Setes Casas dentre os Anjos rebeldes. Todas as Doutrinas, nossas dádivas e poderes, nossos conhecimentos, se voltariam contra os humanos; ainda, a morte se tornou, a partir daquele instante, parte do destino da humanidade. Os humanos se tornaram mortais e não havia nada que pudesse ser feito contra isso. Tural lembrava de ouvir os prantos de seus irmãos, conforme as palavras do atual Serafim da Espada Flamejante batiam como martelos, entregando as sentenças.
Ele também ouvia um choro ao longe, agora. Estava escuro no bairro, mas o som estava limpo pela ausência de poluição sonora. Concentrando-se na discrição de sua forma real, deixou uma de suas habilidades especiais vir a tona e esgueirou-se sem perturbar o ambiente a sua volta.
O choro era confuso, tinha um misto de confusão, prazer e dor. Conseguiu se aproximar a uma distância segura e ver: era um dos homens que atacara Débora.
“Achei!” pensou exultante “Ele vai pagar por isso! Por tudo! Vai me dizer onde está o outro!”
Conforme ele avançava em direção ao alvo, seus objetivos começaram a ficar pouco objetivos. Ali, a sua frente, estava um primatinha infeliz. Jogado atrás de um banco de praça, deitado como uma carcaça abandonada, estava um homem de compleição magricela, cabelos cheios de caspas, roupas com necessidades de remendos múltiplos, com um fedor inominável, dentre outras descrições menos lisonjeiras. Gemia e chorava, com o braço estendido, hospedando uma agulha e uma seringa vazia. Parecia menos intimidador agora, talvez, merecedor de alguma pena.
Tural levou instintivamente a mão no mesmo local em que Débora sentira o vidro cortar. Um arrepio cruzou a espinha, fazendo com que parasse onde estava.
“Humanos e suas infelicidades solitárias.” e ele não conseguiu soltar outro pensamento, pois as convulsões começaram. O viciado tremia de forma errática, espumando. O susto manteve Tural por mais uns segundos parados, imóvel, vendo aquela vida se esvair.
“Esse homem vai morrer… Aqui, agora…” pensou consigo “Vai pagar pelos crimes que cometeu… Se entupindo com esse lixo químico…” a expressão de Tural transitou do susto ao sorriso. “Vai ter o que merece!… Não é mesmo?” e a dúvida veio “Será que merece mesmo? Esse homem já era destinado a conhecer o desgaste da carne, a degeneração da mente e do espírito. Vivia neste mundinho absurdamente pálido e cinza, apartado da real beleza dos primeiros dias da Criação… Talvez, por culpa da nossa rebelião…”
Correu até o homem. Segurou-o da melhor forma que pode, chegando a receber alguns golpes dos braços sem controle. Sabia que não devia agarrar a língua dele, mesmo sob o risco de vê-lo arrancá-la com uma mordida. Agarrou-se a ele como se fosse um polvo, com braços e pernas a sua volta, precisava dele o mais imobilizado possível. Então, concentrou-se. Tocou a realidade com sua essência divina, sentiu a energia ao redor como fios condutores. Em sua mente, conseguiu sentir o pulsar do coração e a agonia dos tecidos daquele mortal.
Havia impurezas no sangue. Ele podia sentir o estrago causado por elas, enfraquecendo o corpo ao longo do tempo. Canalizou seu poder para encontrá-las e redirecioná-las. Ele deveria ser capaz de purgar tudo num só movimento. Lembrou-se de seus deveres como Anjo da Guarda, membro da Casa do Vento Ascendente, posteriormente chamada de Flagelo, lembrou-se da dádiva do Sopro da Vida e sua missão com a vida humana. Fixou seu pensamento em tudo o que era, em seu Nome Verdadeiro, proferiu as palavras de poder e sentiu a força do corpo do viciado esticando-o em um arco. Conforme seu próprio poder realizava as purificações necessárias, um líquido viscoso, preto, começou a sair pelos poros do homem.
O corpo relaxou algum tempo depois. O fedor piorara com o suor preto grudando nas roupas. O homem estava inconsciente; Tural estava exausto e sujo.
“EU SOU TURAL, A LANÇA DAS HORAS, ANJO CAÍDO DA CASA DO VENTO ASCENDENTE, COM A DÁDIVA DE CURAR PESSOAS. EU SOU O SEMBLANTE DO DESPERTAR!!!” era apenas o Anjo a pensar, a sentir orgulho de quem era depois de tanto tempo, a sentir a si mesmo de volta à ativa, com certo prazer, coisa que lhe foi roubada até no Abismo, por seus irmãos. Era também um misto de raiva, de superação: “EU ESTOU LIVRE!!! EU SAI!!! TESTEMUNHEM O MEU MILAGRE!!! ESTE HOMEM VIVE!!! POR MINHAS MÃOS, ELE VIVE!!!”.
O homem em seus braços teve um pequeno espasmo. Estava a salvo, mas não resolvia o problema de Tural. Ele ainda não sabia o que fazer agora que salvara o viciado responsável pela morte de Débora. Não compreendia onde os dois fatos se encontravam dentro dele. Poderia fazer justiça e executar esse homem, agora? Se iria executá-lo, por que gastou sua Doutrina do Despertar para curá-lo, afinal? E, mais, iria deixá-lo inconsciente, ali?
Seus planos ao sair de casa, viraram novos plan… ou melhor, novos problemas. Precisava converter isso a seu favor e rápido. Não poderia passar a noite naquele lugar.
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- Morrigan (Kami) Ankh
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